O que pensa a indústria: Resposta da Demanda

A participação ativa do consumidor no sistema é uma característica dos mercados modernos de energia em todo o mundo. Este mecanismo possibilita a redução da carga para adequação aos períodos de maior demanda no sistema, diminuindo o despacho de térmicas mais caras. Visando implementar a estratégia no Brasil, foi lançado em 2017 o programa piloto de Resposta da Demanda que, desde então, encontra-se em constante aprimoramento.

Além disso, no atual cenário de crise hídrica, também está sendo estudada uma outra abordagem da Resposta da Demanda, formatando produtos que funcionem como uma estratégia de enfrentamento da crise. Para entender melhor o que a indústria pensa a respeito do tema, buscamos a opinião da Braskem, uma das associadas da ABRACE, que participa do Programa Piloto. Confira a seguir entrevista com Gustavo Checcucci, Diretor de Energia da Braskem e Vice-Presidente do Conselho da ABRACE.

Qual o histórico da Braskem com o programa piloto de Resposta da Demanda?

A Braskem já participa de programas de Resposta da Demanda em suas unidades no exterior. Então, esse é um programa que já é conhecido, mas que foi novo para a Braskem no Brasil. Exatamente por já ser conhecido, é que a Braskem fez um esforço adicional para conseguir participar desse programa piloto quando lançado pela Aneel junto com o ONS. A gente entende que, para a sociedade, faz muito mais sentido ter um processo de resposta da demanda capaz de tornar o processo inteiro energético muito mais eficiente e muito mais dinâmico. Você o conecta com o mercado. A Braskem foi a pioneira, a primeira empresa a assinar o contrato. Nosso entendimento é de era importante o piloto dar certo.

Havia algum entrave nas cláusulas do contrato?

O contrato tinha várias condições que a gente entende que são complexas, mas ainda assim a Braskem aceitou para viabilizar o piloto. A Braskem foi a única empresa que foi despachada nesse processo. A gente fez o nosso primeiro despacho em 1º de novembro de 2018, em nossa unidade na Bahia.

Qual a importância do programa, na visão da Braskem?

O programa é muito positivo porque a sistemática setorial de hoje não privilegia a eficiência da cadeia como um todo. Não é razoável a gente estar despachando térmicas a R$1000,00 o MWh, a R$1500,00 o MWh e até valores mais altos do que isso, sendo que as empresas têm oportunidades de flexibilidades operacionais em suas unidades industriais que podem ter um custo marginal de oportunidade menor.

Como acontece esse “não consumo” de energia?

Esse não consumo de energia pode acontecer de algumas maneiras. Por exemplo, pela efetiva otimização energética interna de unidades industriais, utilizando flexibilidades operacionais. Não para reduzir produção em si, mas consumir de maneira diferente. Consumindo outro energético que não seja energia elétrica, como um combustível térmico. Claro que tudo isso tem limite. Vão existir cenários com algumas flexibilidades, em que você pode reduzir essa carga elétrica sem impactar a produção; e vão ter alguns cenários que pode-se reduzir a produção sem gerar impactos maiores, com a utilização de estoques, por exemplo. De maneira geral, existem flexibilidades nas indústrias passíveis de serem utilizadas em volumes menores e que não necessariamente demandariam uma redução importante ou expressiva de produção, mas que gerariam benefícios importantes para o setor elétrico.

Como a Braskem enxerga o papel da Resposta da Demanda neste momento de crise hídrica?

O pior cenário para a indústria, agora, seria um racionamento. Seria extremamente danoso, no momento de recuperação de PIB e recuperação de demandas de produtos importantes,  uma redução de consumo elétrico forçada. É muito mais razoável a busca por uma participação voluntária, para que as empresas possam contribuir de modo antecipatório com a redução de consumo elétrico, usando essas flexibilidades sem efetivamente reduzir produção. É muito melhor esse modelo, do que ter que fazer uma redução drástica de consumo forçado, que pode impactar diretamente a produção. Se eu estou evitando um despacho térmico de R$1500,00 e estou trocando isso por um custo de R$600,00, R$700,00, R$800,00, faz mais sentido para todo o setor. Esse modelo torna o setor mais eficiente e, provavelmente, vai estar emitindo menos CO2, porque essas térmicas a óleo têm uma emissão elevada. Vamos participar de operações que devem fazer muito sentido não só econômico, mas também trazendo benefícios sob a ótica de sustentabilidade.

Qual o papel da ABRACE durante o processo de adesão e de participação no programa?

A ABRACE realmente foi importante nesse processo, apoiando a indústria nas discussões de padronização dos documentos, cálculo da linha de base, acompanhamento das térmicas despachadas, da efetividade e da eficiência do programa. A ABRACE traz para a gente um suporte técnico e institucional importante no desenvolvimento desse programa.

Quais as dificuldades enfrentadas durante todo o processo?

Ficou claro, ao longo da nossa experiência, alguns pontos de melhoria. O primeiro é o próprio período de redução. Muitas vezes isso depende de cada indústria e entendemos que a flexibilidade ao longo dessas horas poderia trazer outros benefícios. O segundo é o regramento de que, se você falha três vezes na redução do consumo, você pode ser excluído. Isso é um problema, é um processo novo, é um piloto. A gente tentou fazer por piloto e falhou, mas aprendemos na falha. É um processo que não é trivial, então é necessário você ter tentativas, até você começar a aprender junto com a sua operação, junto com a sua sistemática, junto com o próprio ONS, para que de fato você tenha viabilidade.

Hoje, a indústria teria a capacidade de atuar ativamente no sistema, contribuindo para o enfrentamento da crise hídrica?

Eu acho que o momento agora é mais crítico e, portanto, demanda ações mais enérgicas. A indústria tem a capacidade de contribuir mais. Isso é fato. Hoje, a Braskem tem a capacidade de reduzir seu consumo elétrico sem reduzir a produção, ajustando a sua operação, com outros combustíveis e flexibilidades operacionais. O necessário agora é reduzir a carga elétrica, então vamos fazer com que a indústria tenha capacidade de contribuir para essa redução. Vamos dar flexibilidades para que ela se motive e tenha o incentivo econômico adequado para isso. É importante que haja o incentivo regulatório adequado para que a indústria contribua e não tenhamos um racionamento.

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