Entenda o acordo de Itaipu
A revisão do acordo de Itaipu que está em discussão – e que pode ainda render muito debate até 2023 – tem muitos recursos e interesses políticos em jogo. Mais do que isso, afeta a vida dos cidadãos brasileiros, já que todos os custos da usina são repassados para as tarifas de energia, visto que a usina funciona no modelo antigo, concebido há quase 50 anos, de tarifa pelo custo.
Todas as políticas públicas sustentadas por Itaipu – como política externa, programas de integração latino-americana, construção de pontes, universidade, etc. – são financiadas com o dinheiro dos consumidores de energia. Entendemos a importância desta integração latino-americana mantendo boas relações com os países vizinhos, mas não podemos deixar que permaneça esta lógica de custear todas as políticas e todos os investimentos de Itaipu à custa dos consumidores de energia.
O projeto de Itaipu
Itaipu é uma usina hidrelétrica binacional que pertence ao Brasil e ao Paraguai. Cada país tem direito à metade da energia produzida, no entanto, como o Paraguai não consome a totalidade de sua energia, vende-a ao Brasil, segundo termos do tratado firmado em 1973. A construção da hidrelétrica se iniciou há mais de quatro décadas e hoje a usina tem 14.000 MW de potência instalada. Em 2018, produziu 11.000 MW médios, abastecendo cerca de 15% do consumo de energia elétrica do Brasil, e 90% do consumo paraguaio.
Em 2009, o Brasil firmou um acordo em que o país se comprometeu a triplicar o valor da compensação pela cessão de energia que o Paraguai tem direito. Anteriormente, o país vizinho recebia anualmente cerca de USD 100 milhões de dólares a título de compensação, com o acordo, passou a receber cerca de USD 300 milhões.
Inicialmente, a diferença mencionada foi paga pelo contribuinte brasileiro, via Orçamento Geral da União, no entanto, com a situação fiscal desafiadora do Brasil, esta conta foi transferida para a tarifa de Itaipu paga pelos consumidores brasileiros, via tarifa de energia. Desde o início da vigência do acordo, em 2011, o Paraguai recebeu USD 1,7 bilhão em decorrência da majoração citada, ou R$ 6,8 bilhões.
Custo para os consumidores
A lógica de formação das tarifas de Itaipu é a de tarifa pelo custo, ou seja, as tarifas são calculadas de tal modo que recuperem integralmente os custos verificados. Este modelo não incentiva a eficiência ou redução das despesas, uma vez que há garantia de recuperação do custo incorrido.
Na definição das tarifas, existe a diferença entre a energia associada à potência, que é mais cara, pois deve recuperar todos os custos da UHE Itaipu, inclusive o pagamento do financiamento da obra, e a energia adicional, cerca de sete vezes mais barata, pois é formada apenas pelos royalties pagos pela usina.
Nos últimos anos, aproveitando a revisão do acordo de 2009, o Paraguai passou a “comprar” cada vez menos energia da parcela mais cara de Itaipu, aquela vinculada a potência da usina, e vinha suprindo cerca de metade das suas necessidades por meio da compra da energia adicional – muito mais barata -, deixando para os consumidores brasileiros o ônus de adquirir uma parcela maior da energia vinculada à potência.
Em 2018, por exemplo, enquanto 52% da energia de Itaipu destinada ao Paraguai foi energia vinculada, 77% da energia comprada pelo Brasil era desse tipo. Com essa distorção, o custo médio da energia de Itaipu para os brasileiros foi de aproximadamente USD 41/MWh, enquanto para o Paraguai, o custo médio foi de USD 26/MWh.
Caso o acordo fosse isonômico, e ambos países pagassem o mesmo custo médio, este seria da ordem de USD 39/MWh. E se este fosse o caso, os consumidores brasileiros pagariam cerca de USD 190 milhões ao ano a menos, ou seja, a diferença no custo da energia para os dois países representa um subsídio disfarçado dos brasileiros aos consumidores paraguaios.
Adicionalmente, em 2018, constatou-se que parte da energia adquirida pelo Brasil pela tarifa de energia vinculada foi entregue ao Paraguai, que pagou tarifa de energia adicional (mais barata). Esta situação levou o Brasil a reter parte do pagamento de Itaipu.
O acordo firmado em maio de 2019 procurou corrigir as distorções apontadas acima. Segundo os termos estabelecidos, o Paraguai se comprometeria a aumentar gradativamente sua compra de energia vinculada até 2022.
Por conta dessa transição, mesmo com o acordo, o Brasil continuaria subsidiando a energia do Paraguai, sendo que nos próximos anos esse custo seria de USD 400 milhões, considerando uma produção de energia no mesmo montante verificado em 2018. Mesmo em condições ainda muito favoráveis para o Paraguai, o acordo foi cancelado por dificuldades políticas no país vizinho.
O cancelamento do novo acordo levará o Brasil, e principalmente sua população, a subsidiar os Paraguaios nos próximos 4 em aproximadamente USD 760 milhões, equivalente a R$ 3 bilhões considerando a cotação atual. Este valor é suficiente para garantir a energia gratuita de mais de 1,6 milhões de famílias carentes no Brasil por 1 ano.
O presidente da ABRACE publicou artigo sobre o assunto no jornal Estado de S. Paulo, no dia 14 de agosto de 2019