Entenda como funciona o Programa de Resposta da Demanda

O Brasil vive hoje um cenário de crise hídrica. Diante deste fato, instituições do setor elétrico e do governo vêm construindo constante diálogo a fim de encontrar maneiras para mitigar os efeitos da falta de chuvas. Neste contexto, o programa de Resposta da Demanda pode ser visto como uma alternativa dentro das linhas de ação pensadas para enfrentar este momento. É importante lembrar que já existe um programa piloto em vigor desde 2017. Porém, recentemente, novas discussões estão sendo realizadas para a criação de mecanismos adicionais para garantir maior flexibilidade na operação do sistema, mas com o foco específico na crise hídrica. 

Para compreender o programa de Resposta da Demanda faz-se necessário pontuar primeiramente a sua função dentro do sistema. Objetivamente, o intuito do programa é viabilizar a redução de consumo em momentos críticos de abastecimento de energia elétrica, propiciando mais flexibilidade na operação do sistema e podendo gerar redução do custo da energia global consumida. Este objetivo é alcançado a partir da participação ativa de agentes consumidores previamente habilitados que se disponibilizam a reduzir o consumo. Essa ação figura como um recurso alternativo ao despacho termelétrico fora da ordem de mérito, visando melhorar a confiabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN) e contribuir para a modicidade tarifária.

Em fase piloto até 27 de julho de 2022, o programa de Resposta da Demanda foi instaurado a partir da Resolução Normativa Aneel nº 792 de 2017, época em que os reservatórios estavam em nível crítico nas regiões dos subsistemas Norte e Nordeste. Inicialmente, apenas consumidores localizados nestas localidades podiam participar do programa piloto, o que de certa maneira gerou baixa adesão dos consumidores. Por isso, atendendo a um pedido da ABRACE e para dar seguimento ao projeto, a agência aprovou alterações à norma e atualmente unidades consumidoras de todos os submercados podem integrar o projeto.

Existem, porém, alguns critérios para que o consumidor faça parte do grupo de participantes do programa em operação. Em linhas gerais, podem participar os consumidores livres, os consumidores parcialmente livres e os consumidores cujos contratos de compra de energia seguem os preceitos estabelecidos no art. 5º da Lei 13.182/2015. Além disso, estas unidades consumidoras devem estar localizadas no SIN e conectadas à rede de supervisão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Esta rede é divulgada em forma de lista preliminar e deve funcionar como um canal ativo entre o consumidor e o operador. Para saber quem faz parte da rede de supervisão clique aqui.

Outro grupo que também tem acesso ao programa de resposta da demanda são os agentes participantes da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) na função de agregadores de cargas dos consumidores citados. Atualmente, apenas geradores e comercializadores integram este grupo, desde que agreguem pelo menos 5MW médios — o mínimo a ser reduzido pelo consumidor de acordo com as regras do programa piloto vigente.

Tendo preenchido os requisitos, é preciso buscar o ONS a fim de solicitar a celebração do Contrato de Prestação de Serviços Ancilares (CPSA). O próximo passo é encaminhar o contrato com todas as informações requisitadas e aguardar cinco dias úteis, prazo que o ONS tem para analisar a documentação e emitir o CPSA para assinatura digital. Após realizados os trâmites para o ingresso no programa piloto, o consumidor inicia a sua participação efetiva na operacionalização.

O programa piloto de Resposta da Demanda estipula uma série de ações e atividades para a plena operacionalização do projeto. Essencialmente, no fim de cada mês, o ONS disponibiliza em seu site a grade horária com os períodos passíveis de despacho de redução de demanda para o mês seguinte. Em posse desta informação, o consumidor terá até às 12h de quinta-feira, semanalmente, para ofertar as quantidades — que pode ser um período de 1h, 2h, 3h, 4h e 7h — e os preços da redução da demanda para todos os dias da próxima semana. 

Para dar seguimento à operacionalização, o consumidor deve confirmar, até às 12h do dia anterior ao despacho, a sua disponibilidade para a redução da demanda. Nesta etapa, a unidade consumidora pode alterar a sua oferta, inclusive, zerando o volume, caso não consiga reduzir sua carga, como havia informado. A modificação da oferta, no entanto, não pode alcançar menos do que 5MW médios, que é o mínimo estipulado pelo programa piloto.

No próximo passo, o ONS analisa se o sistema vai precisar ou não da redução de demanda do consumidor. Se confirmada a necessidade, o operador informa à unidade consumidora que ela será despachada. Esta comunicação pode acontecer em duas modalidades, a depender do aviso prévio que o consumidor escolher: até 18h do dia anterior ao despacho ou até 9h do dia do despacho. Uma vez comunicado, o consumidor se planeja para reduzir sua carga no período e na quantidade acordada. 

Mas como o consumidor sabe o volume que deve reduzir? Como ele pode fazer esse monitoramento? É nesta etapa que faz-se necessário ter conhecimento da sua média de consumo. A CCEE é a responsável pela divulgação da linha de base do consumidor, que nada mais é do que o intervalo de volume calculado para cada dia da semana e que informa uma curva de consumo típica daquela unidade consumidora. Assim, é possível ter um limite máximo e mínimo que o consumidor precisa manter em seu consumo, servindo de referência para a redução acordada com o ONS. 

Antes dos recentes aprimoramentos, a CCEE divulgava a linha de base somente cerca de dois meses após a redução da demanda. Desta forma, era preciso que o consumidor calculasse sua própria referência, que podia ser condizente ou não com a que a CCEE usaria posteriormente. Esta prática acabava gerando uma insegurança no consumidor, que ficava suscetível à penalidades pelo descumprimento do acordo. A ABRACE entendeu que o processo estava sendo prejudicial ao consumidor e procurou a CCEE para reverter esta situação. Agora, o órgão divulga a linha de base até o 15º dia útil do mês anterior à redução. Assim, o consumidor conta com uma maior confiabilidade no programa e consegue se programar melhor para realizar a resposta da demanda.

Todo esse processo descrito figura a operacionalização do programa piloto de resposta da demanda até o dia da redução de fato. A próxima etapa consiste na contrapartida oferecida pelo projeto: a compensação financeira. Para chegar a este ponto, a CCEE precisa analisar a redução da demanda a partir da linha de base e somente após confirmado que o processo aconteceu de acordo com o estabelecido, a organização remunera o consumidor, ou aplica penalidades, se for o caso. Esta fase tem um prazo de cerca de 45 dias para acontecer.

Neste ponto, é importante frisar que o retorno financeiro previsto no programa tem o objetivo de amenizar os altos custos dos encargos setoriais que são incorporados às contas de energia elétrica das indústrias. Ademais, os ganhos com o projeto piloto vão além da remuneração, já que traz ainda uma experiência de aprendizado para a governança da empresa, que passa a ficar mais alinhada às práticas dos mercados modernos de energia em todo o mundo, onde a carga participa ativamente da operação do sistema.

No que concerne às penalidades passíveis de serem aplicadas, algumas regras que eram desfavoráveis ao consumidor foram aprimoradas e agora o cumprimento do volume reduzido e o período que antecede a redução passaram a ser os fatores cruciais da operacionalização. Via de regra, o programa piloto define uma janela de três horas para o consumidor dar início à redução, de maneira que ao chegar no horário combinado ele esteja na faixa de consumo que foi informada. Caso o consumidor esteja abaixo da linha de base antes deste período de três horas, não será considerada a sua participação naquele dia do programa, ou seja, ele não será remunerado, mesmo que ele reduza o volume acordado. Se o consumidor estiver acima da linha de base antes deste período de três horas, o valor ultrapassado será descontado contabilmente da redução de demanda ocorrida.

Uma vez concluídas todas as etapas da operacionalização do programa piloto, inicia-se a fase da remuneração do consumidor. O rendimento é estipulado a partir de um cálculo que considera o montante reduzido multiplicado pela diferença entre o preço da oferta e o PLD. Outro recente aprimoramento no projeto piloto diz respeito à garantia do pagamento. Tendo em vista que a remuneração é atrelada ao Mercado de Curto Prazo (MCP), o MME publicou uma portaria garantindo que todos os consumidores que participarem da iniciativa não estarão expostos à inadimplência do mercado, que decorre da judicialização do GSF.

Como pode-se observar, o programa piloto de Resposta da Demanda ainda apresenta uma série de complexidades para ingresso e participação efetiva dos consumidores. A ABRACE vem atuando desde o início, antes mesmo da primeira resolução normativa da Aneel, a fim de colaborar para que o setor elétrico brasileiro se torne mais moderno e competitivo. Nos últimos meses, devido aos aprimoramentos do programa piloto, a ABRACE está atuando entre as empresas associadas para orientar e incentivar a participação delas no projeto. Se a sua empresa tem interesse em saber mais detalhes do programa e deseja receber instruções e diretrizes acerca do ingresso, associe-se (abrace@abrace.org.br)!

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Resposta da Demanda e a Crise Hídrica

O cenário atual de crise hídrica no Brasil representa um sinal de alerta para o setor elétrico, para o governo e para toda a população nacional. Com o intuito de enfrentar a situação presente, o governo vem realizando diversas ações, como a criação da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) e a conscientização da sociedade para o consumo consciente de água e luz. Ainda, o governo está em constante diálogo com a indústria a fim de encontrar estratégias que possam ser adotadas em parceria com estes consumidores eletrointensivos. Uma alternativa apontada — e que a ABRACE já estruturou uma sugestão  — envolve a resposta da demanda. 

Após discussões com as empresas associadas e apresentações para diversas entidades do setor produtivo, a ABRACE coletou uma série de sugestões de aprimoramento para o que podemos chamar de Programa Conjuntural de Resposta da Demanda. A pretensão é ser um programa de simples adesão e operacionalização, de maneira a facilitar a participação proativa e voluntária dos grandes consumidores de energia elétrica. A sugestão foi apresentada para o governo, que afirmou sua intenção de dar seguimento à ideia e pretende lançar este novo mecanismo para o enfrentamento deste cenário desafiador.

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